sexta-feira, 1 de junho de 2012

Dando Voz e Vez a quem você pouco ouve!!!! Reportagem feita com os Catadores de Materiais Recicláveis de São Miguel do Oeste- SC

Nas contradições, o modo de olhar e de agir fazem a diferença

Quantas vezes você jogou a dignidade deles no lixo? Eles reciclaram e construíram de novo

Todo ser humano é guiado por algum sentimento que determina suas ações no mundo onde está inserido. Consequentemente essas ações determinam seu roteiro de vida. Assim é a maneira de viver de todo brasileiro, especialmente de Juvenal, catador de papelão, 52 anos de idade, que ganha à vida catando material reciclável para vender e garantir o pão de cada dia. Juvenal é aquele cidadão que como muitos, acordam cedo e percorre a cidade de São Miguel do Oeste com seu carrinho a procura de materiais que possam ser reciclados e vendidos.  Garrafa plástica, alumínio, papelão, cristal, que são fontes de renda para Juvenal que mora sozinho no bairro Salete e mantém seu porão onde faz a seleção do material que será comercializado para alguma empresa de coleta.
Desde cedo conviveu com as dificuldades da vida, ele conta que as oportunidades para um garoto nascido em Itapiranga eram raras, por isso sua família viajava muito em busca de uma qualidade de vida melhor. Atualmente Juvenal que trabalha há dois anos neste segmento fazendo uma média de R$ 550,00 por mês, percebe que mesmo sendo autônomo, sente falta de algumas regalias que as pessoas cujos direitos estão garantidos pela previdência conseguem ter. Mesmo não tendo oportunidade de estudar, Juvenal vive bem, convive com certos preconceitos, mas ele garante “Eu cuido do que eu faço e pronto. Se alguém achar feio o problema é dele”, enfatiza.
Decidido e bem humorado, ele conta que nos dias de chuva o trabalho continua. Esta sempre envolvido com alguma atividade.
Falar sobre educação com Juvenal é surpreendente, “Os jovens precisam estudar, porque o que não falta hoje é isso, meios de estudo, esse tipo de trabalho que faço não é nem de pensar para um jovem”, menciona. Mas refletindo um pouco “todo trabalho é digno para qualquer pessoa”, destaca.
Com seu jeito simples, voz sofrida e assustada, Dona Rosinha de 58 anos de idade é mais uma trabalhadora que vive as margens do sistema capitalista e tenta sobreviver fazendo a sua parte e de mais algumas pessoas na coleta seletiva do lixo. Será que alguma vez o Brasileiro já parou para pensar na sua contribuição ambiental enquanto pessoa? Dona Rosinha pensou, e com seus 58 anos de idade possui uma força maior que a coragem de muitos governantes, a força dela chama-se vontade.
Dona Rosinha mora na periferia do bairro Santa Rita em São Miguel do Oeste com mais sete filhos e netos, recebe ajuda do governo para alimentar as crianças, mas não é o suficiente, por isso, a submissão ao trabalho nesta idade é necessária para o sustento da família. Segundo ela “Não há como viver sem ajuda destes programas, pois quando fico doente ninguém trabalha por mim”, explica.
A catadora de material reciclável diz que não consegue se aposentar, pois nunca recebeu instrução para realizar os encaminhamentos necessários (E provavelmente não vá receber se depender de “certos”).
O trabalho informal no Brasil é muito comum, no município de São Miguel Do Oeste estima-se que mais de 100 famílias fazem parte de alguma associação ou cooperativa de catadores, sem contar com as pessoas que trabalham de forma autônoma. O catador de papelão é aquele sujeito que buscou no desperdício de alguém uma forma de gerar renda sem precisar explorar outra pessoa e garantir o seu sustento, simples assim. A vida de um catador parece triste, sofrida o bastante para ser motivo de chacota, mas não é. Infeliz daquele que assim pensar. Se calcularmos a carga horária deste trabalhador somado com a autonomia no trabalho, dividido pela seleção coletiva de material será igual á: Menos de quatorze horas trabalhadas por dia somadas com a disponibilidade de tempo para ir ao médico cuidar da família resolver problemas pessoais e ainda se dividirmos isso tudo com o conjunto da matéria final então vamos perceber que estas pessoas são mais felizes que muitas famílias burguesas que limitam seu tempo ao trabalho, ao lazer individual e ao dinheiro.
A juventude do meio popular também pensa assim. Para a estudante Claudia Baungardt, de 16 anos de idade, a sociedade vê o trabalho dos catadores como uma problemática, mas não é. “Somos um povo de uma mesma raça, porém mestiça, temos trabalhos diversificados e estas pessoas cumprem o seu papel na sociedade, são mais que trabalhadores, fazem o que nós deveríamos estar fazendo na nossa casa. Por isso a minha indignação é maior que o meu preconceito”. Comenta.
O estudante Jacson Sonáglio, de 17 anos de idade, destaca que os catadores são pessoas admiráveis, exemplo para muita gente. “Não catam lixo e sim, material reciclado”. Para ele, essas pessoas são dignas, pois estão agindo para salvar o meio ambiente, “Coisa que nós deveríamos nos conscientizar”. Salienta.
De fato, a preocupação dos jovens é relevante, o percentual de lixo produzido pela população migueloestina é alarmante, em menos de um mês de coleta a Acomar (associação de catadores de lixo de São Miguel Do Oeste) conseguiu vender cerca de 13.900 kg de material reciclado. Os números apontam para um crescimento significativo comparado ao que se produzia nos anos anteriores.
De acordo com a associada da Acomar , Vilma Prazito, de 56  anos de idade, Puxar papel se tornou mais fácil do que trabalhar de empregada doméstica. Para a trabalhadora, 10 anos de associação possibilitou mais autonomia, ela conta que puxa 3.000 kg por mês para garantir um salário mínimo. Embora sofra com preconceito de algumas pessoas como “Vem aqui que eu vou dar algum lixo para você”, ela conta que se sente privilegiada, pois esta limpando a cidade e contribuindo com o meio ambiente.
A presidente da acomar, Justina Pereira da luz, de 38 anos de idade, trabalha há 14 anos na associação, sendo três de presidente. Ela comenta que a associação faz uma divisão justa com todas as famílias, desde que haja consenso e trabalho conjunto. A Acomar faz reuniões periódicas para controlar a quantidade de material que entra, que é separado para a empresa Tucano e o que sai para venda exclusiva da associação. A triagem é feita separando-se os materiais por cores e categorias para que os fardos estejam de acordo com a política de venda do material.
Justina desenvolve duas funções trabalhistas, a primeira delas é na Acomar como presidente e catadora, já a segunda é cozinheira de um restaurante da cidade, isso porque o preço pago pelo material é muito baixo, o papelão, por exemplo, é cotado em 30 centavos o fardo, o alumínio custa em média R$1,50 a latinha, o cristal 0,90 centavos, o pet chega a custar R$ 1,40 e o vidro 0,03 centavos. Desse modo, algumas famílias conseguem viver bem com a renda mensal outras, nem tanto, “Depende muito da necessidade de consumo de cada um”, explica.
Embora o preço pago pelo material seja desproporcional em relação ao trabalho que é realizado, Justina destaca que vale a pena “A associação foi fundada em 1999 pelo sindicato dos bancários e de lá para cá tivemos muitas conquistas”, ressalta.
Na dura rotina de vida, o modo de olhar e agir das pessoas pode significar muito para os trabalhadores informais, Eliane, de 29 anos de idade, catadora há seis anos, conta que quando não é maltratada é simplesmente ignorada pela sociedade, quando sai de casa com o seu carrinho as pessoas ou falam mal ou fazem de conta que eles não existem, muitas vezes são acusados de roubo e maltrapilhos “Eu não tenho vergonha do que faço, minha filha tem nove anos de idade e na escola ela ensina a professora e os colegas como fazer a reciclagem porque na minha casa a gente não coloca nada fora”, destaca.
Pensando nisso, fui às ruas para ver o que as pessoas pensavam sobre o trabalho dos papeleiros e me surpreendi com os depoimentos.
Para a Bibliotecária, Isaura Bassin, “Se a humanidade continuar nesse ritmo de consumismo, poluição e principalmente se as pessoas não reciclarem o lixo domiciliar, enfrentaremos problemas ainda maiores do que enfrentamos hoje. O lixo deve ser reciclado em casa para facilitar o trabalho de quem faz a coleta. Nós não queremos um planeta lixo”, menciona.
O adolescente de 16 anos, Altemir tibolla, comenta que os catadores de produtos recicláveis exercem um trabalho digno, mas é visto com muito desprezo pela sociedade, ele questiona a carência que existe por parte dos órgãos públicos em relação ao trabalhador informal “Muitas vezes o poder público gasta dinheiro com coisas fúteis ao invés de dar melhores condições de trabalho para estas pessoas”, enfatiza.
Todavia, julgar de quem é a responsabilidade é uma questão de políticas públicas do governo Municipal, Estadual, Federal e da própria União, não basta falarmos em campanhas de conscientização se a sociedade não esta preparada por justamente não entender o seu próprio processo de construção humana. Quando não se compreende a história de vida do povo então não se entende de política, de governo, de cultura popular. Para entender a necessidade dos catadores de papelão é preciso estudar a construção histórica de nossa sociedade, da ética e da moral para então propormos alternativas.
A moral é construída historicamente, dependendo do contexto social e das relações de consciências que se estabelecem. A sociedade constrói modelos de relações, determinam valores, regras morais que são seguidas tradicionalmente por muitas famílias brasileiras. A diferença, é que na moral as pessoas são influenciadas ou mesmo manipuladas por um determinado dogma. Em contra partida, para entender a ética é preciso compreender o homem em sua essência, desde o estado de natureza até a adesão ao estado civil, isto é, sociologicamente e filosoficamente.
Na sociedade medieval, por exemplo, o medo e os preceitos religiosos eram fortes correntes dos quais determinavam o comportamento dos indivíduos dentro de um contexto de submissão, fragilidade psicológica, ameaças enfim, neste modelo a moral era predominante, não havendo discurso democrático ou mesmo popular.
Com tais diferenciações, somos levados a entender que o sistema social, político, econômico e cultural onde a ética e a moral estão inseridas determinam o comportamento humano formando um todo com anseios individuais. Dai a resposta para o preconceito em relação aos trabalhadores informais.
Dessa forma, moral e ética foram construídas dentro de um modelo capitalista de produção, sobrepõe-se o lucro a pessoa humana, O outro se torna importante, capaz, ”amigo” quando pode ser útil a uma pessoa, a partir do momento que sua tarefa torna-se desnecessária, perde-se utilidade, capacidade e amizade. Tudo esta vinculado a um jogo de poder individual onde a riqueza para ser multiplicada não pode ser dividida. Então, surge o questionamento: onde esta o cuidado com a pessoa humana? O que é ser humano de fato? Qual é a posição do pensamento ético nesse contexto de vida dos catadores?
De fato, estabelecer a prática ideal da ética numa sociedade capitalista é desafiador, isso porque, somos indivíduos éticos quando nos importamos com o outro, quando os problemas comuns começam a fazer parte do nosso cotidiano, a nossa cultura, tradição, fundamentam a nossa ética a nossa  moral e no mundo capitalista nós podemos fundamentar uma análise diferenciada do que pressupõe o sistema, não nascemos prontos, possuímos a capacidade de construir nosso modo de agir, de respeitar, de pensar. Fazemos escolhas e delas surtem os efeitos.
Diante desse fundamento, a ética é o estudo dinâmico da moral num âmbito de diversidades, é a filosofia que estuda a origem e a fundamentação humana através de costumes e culturas. Não existe ética sem ação social, sem valor e moral. A ética preocupa-se com a violência, quando exigimos que as outras pessoas mudem por nossa causa ou quando tentamos definir comportamentos então estamos sendo antiéticos. Por que definir um padrão de beleza ou de status se a nossa realidade é diversional?
Quando uma pessoa limita-se a sua moral ela se enclausura em uma liberdade que não possui e torna-se incapaz de refletir sobre a sociedade e compreender o outro. “Sócrates já dizia “conhece-te a ti mesmo” e eu complemento:” Assim compreenderás o próximo”. Pensando como o filósofo, temos que fazer da filosofia uma prática comum. O papel ético da filosofia é refletir o meio, problematizar e oferecer alternativas, a ética precisa vir acompanhada da crítica para ser legítima assim como a democracia. E cuidar da pessoa humana significa valorizar a nossa essência.
A sociedade muda quando os indivíduos mudam, quando passam a compreender que a dignidade de uma pessoa não pode ser jogada no lixo. O papel social dos catadores de papelão são uma das poucas ações que de fato acontecem em nosso meio para diminuir os impactos ambientais em nosso município. Já dizia Albert Schweitzer, “Vivemos em uma época perigosa. O homem domina a natureza antes que tenha aprendido a dominar a si mesmo”. E isso é fato. Os catadores de papelão não possuem as melhores condições de vida e de trabalho, mas lutam diariamente por respeito, consideração, e buscam acima de tudo sorrir para os problemas e para os impasses que impedem com que sejam valorizados, pois acreditam que em algum momento da história a humanidade compreenderá a necessidade do cuidado com as pessoas e com o mundo, ou pelo menos, sentirão fortemente na pele as dificuldades de uma nação em crise, não só econômica, mas ambiental também. (O que já me parece comum nos dias de hoje)
“Quem de três milênios, não é capaz de se dar conta vive na ignorância, na sombra, á mercê dos dias, do tempo”. (Johann Wolfgang Von Goethe)